O cultivo da mandioca e a importância da farinhada na cultura de Boqueirão do Piauí e região

O cultivo da mandioca e a importância da farinhada na cultura de Boqueirão do Pi

29/07/2022 - 10:07

O CULTIVO DA MANDIOCA E A IMPORTÂNCIA DA FARINHADA NA CULTURA DE BOQUEIRÃO DO PIAUÍ E REGIÃO.

Por Balduino Nunes Júnior

Professor de Geografia

28/07/2022

Com o nome científico de Manihot esculenta Crantz a mandioca é originária da América do Sul e constitui um dos principais alimentos energéticos para muitos povos do mundo (EMBRAPA). As técnicas de cultivo e de beneficiamento da mandioca foram desenvolvidas na cultura dos índios americanos e está presente nas dietas alimentares desses povos há milhares de anos. “O saber aplicado nas casas de farinha e os repertórios alimentares oriundos da mandioca – farinha, beiju, bolo, tapioca, tucupi etc. – foram desenvolvidos pelos povos ancestrais da Amazônia, afirma o antropólogo da alimentação Miguel Picanço” (RODRIGUES, 2022)

Com a chegada dos europeus, os alimentos derivados da mandioca, especialmente a farinha, passou fazer parte dos hábitos alimentares coloniais sendo incorporado à culinária de diferentes culturas que compunha a população brasileira – indígenas, africanos e portugueses. A partir da expansão da colonização portuguesa, pelo território, o cultivo da mandioca se espalhou cada vez mais por áreas do nordeste e outras regiões do Brasil. (COUTINHO, 2013).

O Brasil está entre os maiores produtores de mandioca do mundo. Segundo dados da Embrapa (2018) a região Norte é a maior produtora do país seguida pela região Nordeste. Dado a sua importância nutricional e variedade de produtos derivados, a Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu a mandioca como o alimento do século 21.

No Piauí, assim como em outras regiões interioranas do Nordeste, a produção de mandioca se dar, sobretudo, através da agricultura familiar. Seu processamento é feito tradicionalmente pela realização de farinhadas em Casas de Farinha de pequeno porte, conduzida por mão de obra familiar, onde participam também voluntários da comunidade, além de contratação de trabalhadores diaristas.

Farinhada é lugar de reunião, onde se desenvolvem memórias afetivas, estreita os laços sociais, permite a troca de experiências e preserva a cultura. Ali se dão conversas sobre assuntos diversos, conta-se histórias e estórias, trazendo leveza à execução do trabalho. A participação dos jovens é a garantia da transmissão desse saber às novas gerações. (ARAÚJO, 2016).

Até pouco tempo, o processamento da mandioca era realizado segundo métodos tradicionais, herdados dos indígenas, que foram os primeiros cultivadores da espécie. O que exigia um trabalho ainda mais pesado do que é hoje. Na arranca - que pouco mudou - utilizava-se apenas ferramentas manuais, e o transporte era feito no lombo de jumentos ou carroças. Numa época sem eletricidade, a serragem da mandioca era puxada no braço utilizando a roda de aviamento; a prensa de massa era com fusos de madeira e o forno de farinha era feita de pedra. Ao longo do tempo, novas tecnologias e técnicas foram sendo incorporadas, no entanto a essência da farinhada tem sido preservada.

Em Boqueirão do Piauí e região o funcionamento de uma Farinhada Tradicional ocorre a partir da arranca e o transporte da mandioca, geralmente feito no dia anterior e realizado especialmente pelos homens. A raspagem é realizada, sobretudo, pelas mulheres e crianças; é iniciada ainda na madrugada e praticada em duas etapas - uma raspa a metade (capote) e a outra finaliza. É preciso lavar a mandioca para fazer a serragem. Depois de serrada a massa será lavada, para extração da goma, cuja produtividade depende de cada lavadeira. A massa lavada é prensada pelo prensador, peneirada e segue para o forno onde o torrador a transformará em farinha. Trabalhos que começam na madrugada e tem sua recompensa no final do dia com a produção de beijus que pode ser temperado, principalmente com leite de coco artesanal.

FARINHADA COMO ASPECTO CULTURAL DE BOQUEIRÃO DO PIAUÍ E A CRIAÇÃO DE UM FESTIVAL

Segundo o pesquisador Celso Chaves (2021), possivelmente o nome Boqueirão, tenha vindo de algum nome de fazenda da região, visto que o território da freguesia de Santo Antônio do Surubim, atual Campo Maior, do qual Boqueirão do Piauí foi desmembrado, possuía algumas fazendas e sítios com essa denominação. O núcleo de povoamento que deu origem a cidade, começou a se desenvolver a partir da segunda metade da década de 1950, fortalecido pela construção de uma Capela Católica que atraiu populações de localidades próximas, hoje incorporadas ao município.

Em relação aos aspectos culturais de Boqueirão do Piauí, se baseia na típica rotina do interior nordestino, presente na culinária, festividades e religiosidade. Na culinária, além de comidas com ingredientes derivados da mandioca, pode-se destacar o surubim pescado do Rio Longá temperado ao leite de coco babaçu como um ótimo prato. Nas festividades do município se destaca a realização de festejos da Igreja Católica nas comunidades e na sede; dança de São Gonçalo; dança do Boi de Reisado; vaquejadas e outras manifestações festivas. A população é de maioria católica, no entanto a comunidade evangélica vem crescendo, com destaque para a Assembleia de Deus que está presente no município desde a década de 1960. (NUNES JUNIOR, 2021).

O beneficiamento da mandioca nas Casas de Farinha, é aspecto importante da cultura boqueiraoense, onde as famílias se juntam em regime de colaboração e confraternização para a realização da Farinhada. Através de relatos populares, é possível afirmar que muito antes da década de 1950, quando se deu a fundação do povoado, farinhadas eram realizadas nas localidades que atualmente compõem o município, em famosas Casas de Farinha como: da Fazenda Espirito Santo, de propriedade do Senador Sigefredo Pacheco; do Sr. Zé Fonseca na localidade Mundo Novo; do Sr. Benedito Cardoso, localizada nos Tucuns; do Sr. Manoel Joaquina localizada no Dez de Janeiro, entre outras. Destaca-se as da Família do Seu Mundim de Sales na localidade Criuli e a do Sr. Mariano Carneiro da localidade Deserto, das mais antigas Casas de Farinha que atravessou gerações e que ainda existe.

Época em que as Farinhadas costumavam durar meses e a produção de goma e farinha da região era escoada através de caminhões vindo de Boa Hora em estradas de chão, que implicava numa série de dificuldades, sendo o percurso feito passando pelas localidades Deserto, Criuli, Aposento, Nova Olinda até a BR 343, seguindo para ser comercializadas nas feiras livres de Campo Maior.

Segundo Azevedo (1999, p. 5), “a mandioca se adapta aos mais variados tipos de solos, mas por ser uma cultura cuja parte econômica é a raiz, necessita de solos profundos e arenosos ou de textura média.” Estas características de solo se aplicam à maior parte das terras do município de Boqueirão do Piauí, dai sua vocação natural para o cultivo da mandioca.

É certo que o município já teve um período áureo de produção e número de espaços de beneficiamento da mandioca, mas atualmente a Secretaria Municipal de Agricultura contabiliza 32 Casas de Farinha ativas, sendo 11 delas localizadas na zona urbana. De acordo com o IBGE, em 2020 a produção de mandioca no município chegou a 750 toneladas. Tudo isso reforça a importância da farinhada como forte traço cultural de Boqueirão do Piauí, o que justifica a criação do Festival Cultural de Farinhada para o fortalecimento do cultivo e beneficiamento da mandioca, visando também o resgate, valorização e preservação de espaços, histórias e tradições das Casas de Farinha do município.

A primeira versão do evento foi realizada em agosto de 2021, com restrições devido a situação de pandemia da covid-19. Em 2022 acontece o II Festival Cultural de Farinhada de Boqueirão do Piauí, entre 04 e 06 de agosto, com estrutura mais elaborada e atrações artísticas em praça pública. Espera-se que a implantação do projeto desperte um conjunto de ações para valorização da cultura local e incentivo ao aumento de áreas de plantações e produção, além de diversificar e agregar valor aos produtos derivados da mandioca no município. A proposta é de que o Festival deva ser realizado sempre na primeira semana do mês de agosto, considerando o auge do período de farinhadas na região.

Referências:

ARAÚJO, F. E. de. As coisas e os homens: casas de farinha, cultura material e experiências do cotidiano das farinhadas. Revista de História, Edição 22, V. 8, N. 3, p 337-360. Set./dez. 2016.

AZEVEDO, J.N. de. Recomendações técnicas para a cultura da mandioca no Piauí. 2,"Edição. Teresina: Embrapa Meio-Norte, 1999.21 p. (Embrapa Meio-Norte. Circular Técnica, 11).

CHAVES, C. Povoado Conceição do Boqueirão. Portal de Olho, 2021. Disponível em: https://portaldeolho.com.br/. Acesso em: 10 jun. 2021

COUTINHO, Andreia Lima Duarte. Farinhada e Identidade Sertaneja: estudo de caso da produção de farinha de mandioca na comunidade de Lagoa do Saco- Monte Santo - BA. 2013. 131 f. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2013.

FABRICAÇÃO DE FARINHA DE MANDIOCA. Wikipedia. Disponível em:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Fabrica%C3%A7%C3%A3o_de_farinha_de_mandioca>. 29 de mar. de 2021. Acesso em: 23 de out. de 2021.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA - IBGE. Produção Agrícola - Lavoura Temporária, 2020. Disponível em: . Acessado em: 20 de jul. de 2022.

MANDIOCA EM NÚMEROS. Embrapa, 2018. Disponível em: . 23 de out. de 2021.

MANDIOCA. Embrapa. Disponível em: . Acesso em: 23 de out. de 2021.

NUNES JUNIOR, A. Balduino. O uso do smartphone para o desenvolvimento da aprendizagem significativa em geografia na educação básica do município de Boqueirão do Piauí-PI. 2021. 85 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Piauí, Centro de Ciências Humanas e Letras, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Teresina, 2021.

RODRIGUES, Laís Modelli. Desmatamento ameaça cultivo milenar de mandioca na Amazônia. DW Brasil, 09 de jul. de 2022. Disponível em: . Acesso em: 20 de jul. de 2022.

Fonte: CAMPO MAIOR EM FOCO